Foi uma sessão muito interessante com Marta Ambrósio, cofundadora do Clube de Leitura das Caldas da Rainha, que foi a convidada para apresentar o livro. Criou um diálogo dinâmico com a autora, fazendo várias perguntas pertinentes que permitiu entrar tão profundamente no trabalho da escritora.
Muito sorridente e com a simpatia e a facilidade de comunicar que a carateriza, Maria Francisca Gama, de 26 anos, estava orgulhosa por poder falar do seu último desafio que concretizou, destinado a ajudar as mulheres. A autora vive em Lisboa e tem percorrido o país a apresentar “A Cicatriz” mas nas Caldas teve um carinho especial, uma vez que é a cidade da sua mãe e avós.
A vereadora da cultura da Câmara das Caldas, Conceição Henriques, encerrou o evento, destacando que a autora teve a “coragem, o empenho, a modernidade, contemporaneidade e a vontade de ser uma voz interativa e colocar o dedo numa ferida que são os problemas da sociedade que atingem a classe das mulheres”.
Agradeceu a Maria Francisca Gama vir às Caldas da Rainha apresentar o livro e “abrilhantar o que é a nossa vida cultural” e espera vê-la “por cá muitas vezes noutros eventos a intervir em sessões da literatura”.
“Quero impactar os leitores”
A violência contra as mulheres é precisamente um dos temas de “A Cicatriz”, o quarto livro da autora editado pela Suma de Letras (uma chancela da Penguin) e lançado a 19 de fevereiro.
Maria Francisca Gama formou-se em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mais tarde estudou Rádio, Televisão e Escrita para os meios audiovisuais. Trabalhou num escritório de advogados, numa agência de comunicação.
A primeira curiosidade de Marta Ambrósio prendeu-se mesmo com o facto de a autora deixar de exercer direito para se dedicar a tempo inteiro à escrita.
“Sei que é muito difícil viver da escrita em Portugal, mas suspendi a minha inscrição na Ordem dos Advogados porque o trabalho de escritório de advogados não era compatível com a escrita”, contou a autora, cujo gosto pela literatura sempre a acompanhou e a vontade de escrever ficção surgiu em miúda.
Publicou o seu primeiro livro “Em troca de nada” aos 14 anos e depois nasceu o seu segundo livro “Madalena”. “Contei sempre com o apoio do Jornal das Caldas e da Ordem do Trevo e fiz o lançamento da 2ª edição do Madalena no CCC – Centro Cultural e Congressos de Caldas da Rainha, que contou com a presença do doutor Laborinho Lúcio, que foi uma marca na minha carreira ainda muito jovem”, disse.
O seu terceiro livro “A profeta” foi a primeira obra que publicou na Penguin Random House. Quanto à sua ligação deste livro a João Tordo, Maria Francisca Gama disse que conhece o escritor desde que os 14 anos quando andava na escola e participava em todos os concursos de leitura e escrita.
“Uma das vezes que venci foi João Tordo que me entregou o prémio e fomos mantendo o contacto. Quando acabei de escrever “A Profeta” vi que o livro era para um público adulto e mandei o livro ao João Tordo com o intuito de “ter uma opinião de alguém que eu respeito muito intelectualmente. Ele ligou-me a dizer que adorou o livro e que gostava muito de o enviar à sua editora”, relatou, acrescentando que o escritor “não tem nenhuma parte da Penguin, portanto ele não me podia garantir que o livro fosse aceite, mas podia ajudar-me que fosse lido”.
“Felizmente gostaram o que leram e foi assim que em 2022 iniciei este caminho com a Penguin, que é um grupo editorial que gosto muito de estar e onde sou muito bem apoiada e tratada e que em princípio terei uma relação longínqua”, vincou.
A autora começou a escrever “A Cicatriz” em abril do ano passado, quando regressou de uma viagem ao Rio de Janeiro. Inspirada pela beleza da cidade brasileira, decidiu que o seu próximo trabalho se passava precisamente ali. “Eu gosto muito de Rio de Janeiro e sou uma ávida consumidora da cultura brasileira não só da música, mas também da literatura (autores contemporâneos) e comida”. “O Brasil, como o mundo, ainda têm uma taxa grande de violência de género em que normalmente a vítima é a mulher e o agressor é o homem e neste momento eu quero escrever sobre temas que vão impactar os leitores”, salientou.
“É um tema que me apoquenta e preocupa todas as gerações e enquanto não tivermos medo de chocar e de deixar o leitor nervoso “não vamos provocar uma mudança”, adiantou.
Maria Francisca Gama não tem medo de mostrar “frieza” do seu trabalho. “A única coisa que é estranha na arte é não sentir nada”, declarou, considerando que sentir, alegria, raiva, irritação, vontade de rir, nojo, medo isso tudo são sentimentos muito válidos e significa que aquilo que nós vimos na televisão, lemos num livro ou assistimos na sala de cinema nos impactou”. “Acho que ninguém consome coisas para ficar igual”, acrescentou, revelando que “A Cicatriz” “provoca qualquer coisa, agora depende de quem o lê”.
Quanto aos próximos projetos, Francisca Gama disse que entregou a sua primeira longa-metragem onde escreveu um filme.
“A Cicatriz” é sobre um casal que vai de férias para o Rio de Janeiro, numa viagem que prometia ser inesquecível. Aproveitaram uma das últimas noites para irem jantar fora. Quando terminaram a refeição, satisfeitos e apaixonados, decidiram voltar a pé para o hotel, mas não se recordaram se o caminho mais perto era pela esquerda ou pela direita. Como é que a vida pode mudar tanto, apenas assim graças a uma escolha irrisória?
O livro é um relato profundo e duro, escrito na primeira pessoa que se debruça sobre a finitude da vida, as decisões irrefletidas que a moldam e o conceito de amor eterno com a cidade como pando de fundo.