O Ministério Público (MP) abriu um inquérito ao caso da grávida com hemorragias após um aborto espontâneo, que procurou o hospital de Caldas da Rainha para ser assistida, mas teve primeiro de ultrapassar uma alegada rejeição de admissão. A medida foi confirmada pela Procuradoria-Geral da República à agência Lusa.
A mulher, de 32 anos, grávida de três meses, sentiu-se mal durante a noite de 4 para 5 de agosto e, pela madrugada, percebeu que estava a sofrer um aborto. Tratava-se de uma gravidez desejada, mas não vigiada, pelo facto de ser uma cidadã estrangeira, sem autorização de residência e, por esse motivo, lhe ter sido recusada, um mês antes, consulta de acompanhamento no centro de saúde da sua área (Lourinhã).
Consumado irremediavelmente o aborto, colocou o feto num saco e, perante a ocorrência de hemorragias, resolveu procurar ajuda médica.
A maternidade mais perto (a cerca de 40 quilómetros) e da qual tinha boas referências através de amigos, era a de Caldas da Rainha. Foi para aqui que se dirigiu, com o marido, em carro próprio, sem antes ter contactado o 112 ou o SNS 24. Lá chegados, por volta das 07h15, foram informados, pelo segurança, que a Obstetrícia estava fechada, conforme se poderia constatar pelo cartaz afixado à porta da Urgência, e que teriam que procurar outro hospital, sendo aconselhados a seguir as indicações do cartaz. “Se está grávida, ligue sempre SNS 24 antes de ir às urgências”.
Na sequência do contacto telefónico realizado pelo casal para o 112, pelas 07h21 foi acionada uma ambulância dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha para, segundo as indicações do Centro Orientador de Doentes Urgentes (CODU), transportá-la para a Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, a 130 quilómetros de distância.
Já no local (estacionamento do Hospital), os bombeiros manifestaram resistência a uma tão grande deslocação, considerando a situação clínica da doente. Alegaram que a senhora estava com uma hemorragia abundante e que devia ser logo atendida.
O comandante dos bombeiros voluntários das Caldas da Rainha, Nelson Cruz, contou que “atendendo à grave hemorragia que a senhora estava a ter, a tripulação da ambulância de socorro entrou em contacto com CODU e informou que não era possível sem um apoio diferenciado [médico] percorrer 130 quilómetros, em mais de uma hora de caminho, naquelas condições, e houve uma insistência da nossa parte, já que estávamos à porta do hospital, que houvesse outro médico para estabilizar a hemorragia”.
Pelas 07h47 o CODU contactou diretamente o Hospital para que a doente fosse clinicamente avaliada, previamente a uma eventual deslocação.
De acordo com Nelson Cruz, “recebemos a informação do CODU que viria uma médica que estava de serviço no hospital ao nosso encontro, junto à viatura onde estava a senhora, para observá-la e perceber se poderiam fazer a sua aceitação ou não. Mas isso não aconteceu e só depois das oito da manhã é que recebemos uma informação do segurança do hospital que poderíamos dar entrada com a senhora e foi o que fizemos”.
A médica obstetra, que se encontrava apenas de urgência interna, observou a doente, tendo a ficha de inscrição sido registada às 08h04. A doente recebeu os cuidados necessários e teve alta no dia seguinte e a administração do hospital nega que tenha colocado entraves à sua admissão.
Para o comandante dos bombeiros, “este não é o primeiro cenário em que vamos à porta do hospital buscar pessoas, porque não tem uma determinada especialidade, mas esta situação é um pouco gritante porque estamos a falar de uma pessoa com uma hemorragia grave, traumatizada por ter passado por um aborto espontâneo, e o hospital tem de ter portas abertas nem que seja para uma avaliação para perceber qual é a gravidade. Agora não aceitar e a pessoa ter de ligar ao 112, é inadmissível”.
A administração da Unidade Local de Saúde do Oeste, da qual faz parte o Hospital de Caldas da Rainha, apresenta outra versão.
“Temos registo que a utente apenas entrou no hospital às 08h04, tendo sido de imediato admitida. Em momento algum foi recusada a sua admissão, nem temos registo de várias insistências para admissão. Foi prontamente admitida quando houve conhecimento de que estava a aguardar, a situação mereceu o atendimento necessário e ficou em vigilância”, acrescentou.
Confrontada se a mulher não foi vista a sangrar, Elsa Baião afirmou que “não sei se a senhora estava sob hemorragias abundantes. Essa informação não era clara certamente, ninguém se apercebeu, porque nenhum trabalhador neste hospital a deixaria à porta do hospital sem a admitir”.
As contradições das versões e a polémica causada levaram a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde a anunciar a abertura de um processo de inquérito para apurar a assistência prestada.
A Entidade Reguladora da Saúde também instaurou um processo de avaliação a este caso.