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Debate nas Caldas

A corrupção comentada por Ana Gomes e Paulo Morais

“Há falta de vontade política para combater a corrupção”. A afirmação deu mote ao debate com Ana Gomes e Paulo Morais, que decorreu no dia 3 de novembro, na sede da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório.

Debate nas Caldas

“Há falta de vontade política para combater a corrupção”. A afirmação deu mote ao debate com Ana Gomes e Paulo Morais, que decorreu no dia 3 de novembro, na sede da União de Freguesias de Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório.

Os convidados do evento organizado pela Frente Cívica com o apoio do Jornal das Caldas e Rádio Mais Oeste, são da opinião que o país está estagnado no combate à corrupção e que o Governo “dissimula a realidade”.

No debate moderado pelo jornalista Francisco Gomes, a ex-eurodeputada Ana Gomes afirmou que a luta contra a corrupção é uma das suas grandes batalhas mas apontou que “os operadores da justiça são lentos e peritos em trabalhar na prescrição do crime económico”.

Paulo Morais, líder da Frente Cívica (associação de cidadãos que tem como missão identificar os problemas crónicos da sociedade portuguesa, denunciar os seus responsáveis e lutar pela sua resolução), também conhecido pelo combate que desenvolve contra a corrupção, disse que “os partidos do sistema já mostraram que não sabem dar conta do recado”.

“Democracia amordaçada” foi o título do debate que gerou uma conversa sobre a “necessidade de haver uma estratégia para a transparência e combate à corrupção”. 

A antiga eurodeputada do PS e ex-candidata presidencial afirmou que foi a partir da crise de 2007–2008, “quando de repente muitos cidadãos começam a ser sobrecarregados com o brutal aumento de impostos, cortes nos salários e pensões, e dinheiro dos contribuintes para salvar os bancos”, que começou a perceber que “não havia vontade política para combater a corrupção”. “Havia todo um esquema de práticas que normalizava a corrupção e fazia com que não houvesse nenhum incentivo para que os agentes políticos tivessem a vontade de acabar com ela”, contou.

Para Ana Gomes, jurista e antiga diplomata, a corrupção “não é um problema da democracia, é um problema que já vinha do tempo da ditadura”.

Recordou a geração que ficou marcada pelo tempo que o “país estava amordaçado, aliás, é o título do livro de Mário Soares que foi publicado em França porque na altura não podia ser editado em Portugal”, contou.  

Lembrou ainda que aos treze anos fez um pronunciamento em casa que “Salazar deve ser malandro e a minha mãe mandou-me sair da mesa e eu fiquei muito entristecida porque eu sabia que ela pensava pior que eu sobre o sujeito, mas o que ela não queria era que eu fosse repetir aquilo para a rua, porque as palavras de uma criança podiam ter consequências dramáticas para a família”.

“Na ditadura há controlo e é corrupto quem o ditador deixa ser e na democracia democratiza-se os esquemas, mas em contrapartida há mecanismos e instituições para lutar contra a corrupção”, declarou.

“Chega de areia para os olhos”

Todos os dias a ex-deputada do Parlamento Europeu referiu encontrar “coisas novas ligadas à corrupção que ninguém fala. Não é por ser desconhecido, mas é mantido secreto e reservado com o propósito de ficar escondido do olhar dos cidadãos”. 

Ana Gomes manifestou que “chega de areia para os olhos” e que tem que haver um melhor combate à criminalização do enriquecimento injustificado. A eurodeputada disse ainda que quer ver “os corruptos exemplarmente punidos”.

Recordou o caso em 2015 em que foi a única pessoa que, quando soube que Ricardo Salgado tinha recorrido para legalizar o dinheiro que tinha posto na Suíça e offshores, questionou porque é que “não se reflete na declaração de idoneidade que o Banco de Portugal é suposto passar-lhe para ele poder ser banqueiro”.

Questionada se alguma vez foi intimidada devido às denúncias que faz sobre corrupção, Ana Gomes descreveu que “as acusações por difamação que tenho tido é no fundo para intimidar e amordaçar aqueles que ousam falar”. Deu o exemplo da queixa que apresentou dos negócios de Mário Ferreira à Procuradoria Europeia. “Quando deixei de ser deputada do Parlamento Europeu, voltaram a tentar intimidar-me por denunciar esquemas relativos à subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana de Castelo. O tribunal de instrução considerou que havia lugar a julgamento no segundo processo que me põe o Sr. Mário Ferreira no Porto, e estamos à beira de uma decisão”, contou.

Ana Gomes não tem dúvida de que o processo que foi lançado por órgãos de comunicação social detidos por Mário Ferreira a respeito de “uma casa que eu herdei do meu falecido marido juntamente com os meus enteados tentando apresentar isso como se eu estivesse numa situação fraudulenta não tendo pago impostos, o que é falso, faz parte de uma estratégia de intimidação”.

A ex-deputada do Parlamento Europeu entende que exerce “um direito de cidadania ao denunciar os casos de corrupção” face aos dados que tem.

Confrontada sobre se a justiça em Portugal não tem as ferramentas necessárias para combater a corrupção, a candidata às eleições presenciais em 2021 respondeu que “não” e que é uma das razões porque diz que “não há vontade política”.

“Ninguém fala da justiça paralela secreta privada”

A socialista referiu que ninguém fala “da justiça paralela secreta privada que existe e que foi instituída no país a partir de 2005 e agravada em 2011 no tempo da Troika”, que é o chamado “sistema da arbitragem”. “É um sistema de justiça paralelo não estadual privado, onde as audiências são privadas e não se sabe quem são os advogados ou os árbitros e onde as sentenças não são publicadas e onde o Estado é geralmente lesado”, declarou.

“O que está em causa na maior parte dos casos são contratação pública, em que o Estado é uma das partes e perversamente permitiu-se em vez de ser julgado, como deveria ser em tribunal estadual, possa ser julgado num desses tribunais arbitrais privados”, adiantou, revelando que o resultado é “termos cerca de mil milhões por ano a serem desviados da conta do Estado para pagar as indemnizações que podem ser um esquema completamente corrupto de divisão de dinheiros à conta das PPP’s (Parcerias público-privadas), entre outros”.  

Ana Gomes falou da lentidão dos processos de julgamento de crime económico em que os operadores da justiça são “especialistas em “trabalhar para a prescrição”.

“A lentidão é uma realidade. E também depende das áreas da justiça. Há áreas onde é célere. Quando fui acusada pela Isabel dos Santos, em dois meses estava a responder em tribunal, aí foi rápido”, apontou.

“É na justiça ligada ao crime económico que há uma tremenda lentidão e isso tem a ver, em parte, com as dificuldades de investigação (falta de meios, falta de recursos, etc.). Mas a outra parte tem a ver com a seletividade política, a falta de vontade política”, relatou. “Eu tenho operadores da justiça que já me disseram que gostavam de ter feito mais mas depois tinham a carreira lixada se tivessem ido por aí”, declarou. 

No entanto, a jurista admitiu que em todos os setores “da mesma forma que há corruptos também há pessoas sérias e é graças a esses cidadãos que se revoltam que nós damos a cara e vamos à luta”.

Ana Gomes indicou que recebe muitas denúncias de casos de corrupção, mas não é qualquer uma que faz chegar à justiça. “Quando recebo uma denúncia vou verificar se aquilo tem o mínimo de consistência e de fundamento e se tiver passo-a à justiça”. 

A antiga eurodeputada revelou que no Parlamento Europeu recebeu cartas a intimidar com base em “declarações que tinha feito sobre casos que estava a investigar no âmbito das competências que tinha”.

Diretiva europeia para defender quem denuncia

Ana Gomes falou ainda da diretiva Anti-Slapp (Strategic lawsuits against public participation), que está a ser discutida no Parlamento Europeu e que propõe medidas para proteger jornalistas e ativistas de processos judiciais, quando trabalham para expor a corrupção e atos ilícitos.

A corrupção que Ana Gomes vê em Portugal não é pior do que viu a nível europeu e a nível global “porque de facto hoje a criminalidade organizada está por detrás dos esquemas de branqueamento de capitais, dos esquemas de evasão fiscal e desvios de recursos para offshores“.

“Nós aqui reproduzimos esquemas que existem a nível global e europeu”, salientou, daí “a importância da transparência internacional”.

“Os partidos em Portugal mandam em quase tudo”

Paulo Morais é uma das vozes mais ativas no combate à corrupção em Portugal. O líder da Frente Cívica lançou o “Pequeno Livro Negro da Corrupção”, que deixa críticas a todos os setores que têm contribuído para o seu enraizamento, desde a supervisão bancária, à investigação criminal, passando pelas classes política e empresarial.

Vincou que a corrupção e a captura da política pelos interesses económicos “inibem o desenvolvimento do país” e colocam a “democracia em perigo”.

Revelou que tudo começa nos partidos que “em Portugal mandam em quase tudo”. “Colocam os seus agentes na política, na administração central e nos cargos autárquicos, com dois grandes objetivos: primeiro, fazer negócios para privilegiar os financiadores dos partidos, e, para além disso, arranjar lugares para que os seus apaniguados mantenham esta máquina a funcionar”.

“Os eleitos são sempre nomeados pelos chefes dos maiores partidos e inevitavelmente isso faz com que o presidente do PS ou do PSD, que têm sido os líderes partidários que integram o Governo, conseguem controlar praticamente todo o sistema político português e não é assim que a nossa democracia foi pensada”, contou. Segundo fez notar, a separação de poderes em Portugal não funciona porque “o judicial não é independente do executivo e do legislativo”.

De acordo com o docente universitário, António Costa, na dupla condição de “Primeiro-Ministro e secretário-geral do PS, controla todo o sistema”. “O problema não é dele enquanto cidadão”, adiantou, referindo que é “um dilema de um sistema que está assim criado porque os partidos estão feitos com um conjunto de grupos económicos”.

Sublinhou ainda que os deputados “estão ao serviço de quem os financiou e não de quem os elegeu”, sendo a lei do financiamento dos partidos “a lei que mais envergonha Portugal”.

Paulo Morais revelou que 25% do orçamento que foi aprovado recentemente “é para a maior beneficiária de empréstimos, que é uma instituição que é o cemitério dos ativos tóxicos de alguns bancos”. “Estão os cidadãos a pagar impostos, para esse dinheiro ir para essa instituição e depois dizem que não há dinheiro para baixar o IVA da eletricidade”, sustentou. 

Quanto a processos de julgamento por alegadas difamações, Paulo Morais contou que “as pessoas, regra geral, têm medo de denunciar porque a maioria não tem meios para se defender”. “É grave porque os cidadãos deixam de intervir na vida pública porque não estão para ter problemas”, referiu.

O líder da Frente Cívica nestes anos todos teve treze processos em tribunal por queixas e acusações. Disse estar habituado a estar “metido em trabalhos, porque é isso que acontece a todos os que denunciam a corrupção”. “Há todo um conjunto de senhores que vivem mentalmente no tempo de fascismo”, salientou.

Paulo Morais considera que a corrupção já vinha da ditadura. “Na altura Salazar decidia a quem atribuía negócios e é este tipo de atitudes que nós não podemos permitir em democracia”.

“A corrupção em Portugal é muito pior do que na maioria dos países civilizados”

O professor universitário revelou que a corrupção em Portugal “é muito pior do que na maioria dos países civilizados, não comparando com África, porque os corruptos ativos são claramente os grandes grupos económicos e os corrompidos são os políticos”. “Ainda por cima os políticos em Portugal que aceitam subornos são muitos e na lei da oferta e procura, como são muitos, ficam mais baratos”, relatou.

Paulo Morais insistiu que “só através de uma enorme pressão da opinião pública se poderá atuar ao nível da corrupção”. Mas referiu que “a comunicação social transformou-se no principal sustentáculo do sistema”, ao levar ao público “temas marginais”.

Defendeu ferramentas políticas para “prevenir a ocorrência de factos suscetíveis de configurar atos de corrupção ativa ou passiva, de criminalidade económica e financeira, de branqueamento de capitais, de tráfico de influência, de apropriação ilegítima de bens públicos, de participação económica em negócio e de abuso de poder”.

Houve várias questões do público, o que gerou uma conversa à volta deste tema polémico em que Ana Gomes e Paulo Morais têm feito uma causa de vida.

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