São muitas as versões e contradições em relação ao Golpe das Caldas, mas na celebração dos 51 anos do 16 de Março de 1974 houve unanimidade em afirmar que, apesar de ter falhado, acabou por servir como ensaio para o 25 de Abril.
É o próprio Otelo Saraiva de Carvalho que afirma isso no documentário. “Embora não tenha sido intencional, o 16 de Março constituiu um verdadeiro balão de ensaio para o 25 de Abril”, refere. Como esteve no terreno nesse dia e observou tudo o que se passou, conseguiu elaborar uma ordem de operações eficaz.
“Ponham em marcha e em menos de 24 horas eu derrubo este governo”. É com esta afirmação de Otelo Saraiva de Carvalho que termina o documentário.
Depois de se acenderem as luzes do grande auditório, ouviram-se palmas, mas poucas palavras foram ditas perante a magnitude de todo o relato do processo.
Havia quem chorasse, ao recordar a madrugada de 16 de Março de 1974, quando uma coluna militar saiu do Regimento de Infantaria 5 (RI5), atualmente Escola de Sargentos do Exército (ESE), em direção a Lisboa para derrubar o governo.
Os rebeldes das Caldas estavam sozinhos afinal e tiveram de regressar ao RI5. Muitos dos envolvidos foram presos, mas foram os primeiros a serem libertados no 25 de Abril.
No documentário é apresentado o processo conspirativo no Movimento de Capitães, que começou no verão de 1973 como forma de contestação à guerra colonial, que culminou com o derrube do Estado Novo e a devolução da liberdade a Portugal.
A obra conta com depoimentos exclusivos dos protagonistas, com especial destaque nos envolvidos no golpe falhado das Caldas. A acompanhar o relato são utilizados vários desenhos de José Ruy, incluídos na reedição da obra de banda desenhada “Nascida das Águas” e que tem um capítulo dedicado ao 16 de Março, um livro que foi publicado em 2018 com apoio da Câmara das Caldas, da mesma forma que este documentário foi financiado pela autarquia.
O autor do livro foi um dos consultores para a realização deste documentário, mas foi a historiadora caldense Joana Tornada quem teve um papel mais importante, uma vez que é a autora da única obra histórica dedicada a este evento.
Essa obra contém a sua dissertação de Mestrado em História, especialidade em História Contemporânea, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Cerimónia junto ao quartel da ESE
As celebrações dos 51 anos do Golpe das Caldas tiveram início na noite de 15 de março, com um concerto da Orquestra Ligeira Monte Olivett e a cantora Cláudia Pascoal, sob a direção de David Santos, no CCC.
Na tarde de 16 de março, houve uma cerimónia solene junto ao monumento evocativo desta data, da autoria do escultor José Santa-Bárbara, em frente à ESE, de onde partiu a coluna de militares.
O escultor foi o primeiro a usar da palavra e aproveitou a ocasião para relembrar o significado daquele monumento, inaugurado em 2018.
A obra, com cerca de oito metros de altura, tem uma base em betão escuro, representativo dos anos do fascismo em Portugal, a partir do qual é elevado um “canhão” que liberta uma espécie de fogo-de-artifício e que simboliza a criação de uma nova democracia.
O presidente do Núcleo das Caldas da Rainha da Liga dos Combatentes, Fernando Jesus, também considera que este foi o início da mudança e acredita que serviu para perceber qual a capacidade de resposta do regime.
O major-general José Feliciano, em representação do Chefe do Estado-Maior do Exército, também interveio e disse que, como caldense, sente-se muito orgulhoso com o que aconteceu neste dia.
Em representação do presidente da Assembleia Municipal, Alice Gesteiro lembrou como o 16 de Março começou por ser vivido “com muito entusiasmado e depois com muita tristeza”. No entanto, um mês depois a alegria voltou e ninguém se esqueceu do papel daqueles homens “que arriscaram a vida”.
O presidente da Câmara, Vitor Marques, realçou a importante desta data para as Caldas da Rainha e para o país. Este ano a autarquia decidiu fazer uma cerimónia mais alargada do que é habitual, tendo sido descerrada no local uma placa.
Para o edil caldense, é importante que não se perca a memória da importância da conquista da liberdade e da democracia.
Maria Inácia Rezola, Comissária das Celebrações dos 50 anos do 25 de abril, também esteve presente nesta cerimónia, elogiando o papel da Câmara das Caldas e, em especial, da vereadora Conceição Henriques, nas festividades desta efeméride.
Mais tarde, como preâmbulo da exibição do documentário no CCC, Maria Inácia Rezola fez uma breve apresentação sobre o Golpe das Caldas, que considera “um dos momentos cruciais da História contemporânea portuguesa”.
Afinal, “este foi um sinal inequívoco do crescente descontentamento que grassava dentro das Forças Armadas em relação à guerra colonial e à repressão que o regime impunha ao país”.