Na escola, fez os habituais testes psicotécnicos com a psicóloga, mas sentiu necessidade de mais apoio. Pediu à mãe para se inscrever num programa externo de orientação vocacional, na esperança de tomar uma decisão mais consciente. A ansiedade de ter de escolher tão cedo o caminho académico e profissional é uma realidade partilhada por muitos jovens como ela.
A entrada no ensino secundário marca um momento crucial de decisões: qual área seguir? Ciências? Artes? Línguas? Curso Profissional? Para muitos adolescentes, esta escolha é envolta em dúvidas, inseguranças e até medo das consequências de uma eventual má decisão.
O Jornal das Caldas ouviu psicólogos e diretores dos agrupamentos de escolas da região para perceber como se pode apoiar os alunos nesta fase de escolhas. A principal mensagem deixada é que nenhuma decisão é definitiva. A escolha feita aos 14 ou 15 anos não tem de ditar o futuro para sempre, mas deve, sim, ser feita com consciência e autoconhecimento.
A psicóloga Suse Sofia Rita, que tem o mestrado em Psicologia da Educação, Desenvolvimento e Aconselhamento e é diretora psicopedagógica da MSC Brain Academy, nas Caldas, explicou que a orientação vocacional “nesta fase é essencial para ajudar os jovens a fazerem uma escolha mais informada e refletida”. “Permite explorar os seus interesses, valores e aptidões, reduzindo a ansiedade e aumentando a confiança na transição para o ensino secundário. Também contribui para evitar desistências futuras e promover o bem-estar académico e emocional”, adiantou.
Quanto aos sinais ou indicadores que um aluno pode observar em si próprio para começar a refletir sobre a escolha da área no 10.º ano, a psicóloga disse que deve “prestar atenção às disciplinas que mais o motivam, ao tipo de tarefas em que se sente mais confortável e aos temas que o entusiasmam fora da escola”. “Refletir sobre a forma como gosta de aprender e o que faz com gosto no dia a dia são pistas importantes. Tudo isso ajuda a construir uma imagem mais clara de si próprio”, relatou.
Para Suse Sofia Rita o apoio especializado permite “estruturar o processo de decisão, diminuir a ansiedade e promover o autoconhecimento”. “É muito comum haver dúvidas ou insegurança e o papel do psicólogo é justamente ajudar o jovem a clarificar o que faz sentido para si”, alertou.
A Brain Academy oferece orientação vocacional em psicologia, utilizando uma “abordagem individualizada”. “Começamos com uma entrevista inicial, seguimos com sessões de aplicação de testes psicotécnicos cientificamente validados e análise dos interesses, valores e aptidões. Por fim, fazemos a devolução dos resultados com relatório e reflexão conjunta, envolvendo o aluno no seu processo de decisão”, referiu.
A psicóloga afirmou que tem havido um aumento significativo da procura. “Os pais estão cada vez mais conscientes da importância de apoiar os filhos nesta fase. Procuram garantir que a decisão seja refletida, evitando escolhas precipitadas ou baseadas apenas em influências externas”, descreveu.
Suse Sofia Rita declarou que “os psicólogos escolares fazem um trabalho notável, mas têm muitos alunos a seu cargo”.
No centro onde exerce, oferece um acompanhamento mais personalizado, composto por “quatro a cinco sessões de cerca de uma hora, ajustadas ao ritmo de cada jovem”. O serviço, com um custo de 200 euros, inclui entrevista inicial, aplicação de testes, sessões ilimitadas, relatório final e apoio posterior.
Segundo a psicóloga, muitos jovens sentem-se pressionados a fazer “a escolha certa”, o que pode gerar “ansiedade e bloqueios”. Defendeu que o papel do psicólogo é “normalizar essa incerteza e criar um espaço seguro de reflexão”. E reforçou: “Como costumo dizer, não é uma sentença. Se mais tarde precisarem de ajustar o caminho, também faz parte do processo”.
Apesar de o sistema educativo permitir reorientações ao longo do percurso, Suse Sofia Rita destacou a importância de uma escolha ponderada no final do 9.º ano. “Quanto mais informada e consciente for a decisão, maior será a probabilidade de sucesso e bem-estar no percurso académico”, vincou.
“Ninguém precisa de ter tudo decidido aos 14 anos. A escolha deve basear-se no que faz sentido para si, não no que os outros esperam. Ainda há muitos estereótipos – como “Ciências é melhor” ou “Artes não tem saída” – e pressões externas. O importante é ouvir-se a si próprio”, aconselhou Suse Sofia Rita.
“A orientação não é dizer o que escolher, mas ajudar o jovem a desenvolver autoconhecimento e sentido crítico. O mais importante é que se sinta protagonista do seu percurso e tenha ferramentas para tomar decisões informadas e alinhadas com o que se identifica e ambiciona”, concluiu a psicóloga.
Orientação vocacional nas escolas
O JORNAL DAS CALDAS contactou os diretores dos agrupamentos de escolas das Caldas da Rainha, Óbidos e São Martinho do Porto para saber que medidas estão a ser tomadas no apoio aos alunos nesta fase desafiante de escolha vocacional. Alguns dos diretores responderam diretamente, enquanto outros solicitaram a colaboração das psicólogas escolares, que explicaram os programas de orientação vocacional em vigor nos respetivos agrupamentos.
O diretor do Agrupamento de Escolas Raul Proença, João Silva, explicou que o apoio à orientação vocacional começa cedo e envolve várias estratégias, com o apoio de dois psicólogos. “Os psicólogos realizam sessões ao longo do ano com os alunos, onde abordam as diferentes ofertas educativas e os percursos possíveis, complementando com testes psicotécnicos para ajudar a identificar áreas mais adequadas ao perfil de cada estudante”, referiu o diretor.
Para além deste trabalho técnico, existe também uma vertente prática e testemunhal. “Constituímos equipas com alunos do ensino secundário, de cursos científicos e profissionais, que vão às turmas do 9.º ano partilhar a sua experiência de como fizeram a sua escolha, as dificuldades que sentiram e como está a ser o percurso atual. É uma conversa direta, com espaço para perguntas”, acrescentou.
Quando os alunos demonstram interesse por áreas mais técnicas ou artísticas, como Artes Visuais ou o curso de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos, são organizados workshops e visitas a aulas práticas no secundário. “Assim, podem ver por dentro o que se faz em cada curso e tomar decisões mais informadas”, sublinhou.
O envolvimento dos encarregados de educação também é valorizado. “A equipa de psicólogos organiza reuniões com os pais que queiram esclarecer dúvidas sobre o acesso ao ensino superior, disciplinas específicas e saídas profissionais”, contou.
O diretor reconheceu que “há alunos com grande ansiedade e outros que já têm a decisão tomada”. “Mostramos que mudar de percurso não é um drama. Temos casos de alunos que mudaram no final do 10.º ano ou até mais tarde e hoje estão bem e felizes. O importante é saber que há sempre alternativas”, concluiu.
O diretor do Agrupamento de Escolas D. João II, Jorge Graça, explicou que a escola conta com uma equipa de três psicólogos que, no âmbito da orientação vocacional, apoia os jovens na construção de um percurso académico e profissional mais consciente, responsável e alinhado com os seus interesses e aptidões.
Segundo o responsável, é realizada uma avaliação dos interesses e aptidões dos alunos, através de testes psicológicos, questionários com o objetivo de identificar as áreas mais compatíveis com o perfil de cada jovem. Esta avaliação inclui tanto as aptidões gerais como as específicas, de natureza cognitiva.
Após esta fase, é feita a devolução dos resultados, acompanhada de um relatório final, que é partilhado com os alunos e os encarregados de educação, com o intuito de apoiar o processo de tomada de decisão. A cada aluno é entregue um documento com a oferta educativa para o ano letivo 2025/2026, incluindo as opções disponíveis nos diferentes agrupamentos escolares.
Jorge Graça sublinhou ainda que existe um certo desconhecimento por parte dos alunos relativamente às várias áreas académicas e profissionais. Por isso, a psicóloga responsável fornece explicações detalhadas e entrega um documento informativo com todas as alternativas disponíveis.
Sandra Santos, diretora pedagógica do Colégio Rainha D. Leonor, explicou que ali a orientação escolar vai muito além das sessões com a psicóloga escolar. “Ao longo do 9.º ano, proporcionamos aos alunos oportunidades de contacto com entidades, empresas e profissionais de diversas áreas de interesse, para que possam conhecer diferentes profissões, percursos académicos e os respetivos desafios. Por vezes, recebemos os profissionais no colégio. Outras vezes, somos nós que acompanhamos os alunos às empresas”, descreveu.
Para a responsável, “é fundamental apoiar os alunos nas suas escolhas, apresentando-lhes várias possibilidades e reforçando a ideia de que, independentemente da opção que façam no 10.º ano, o mais importante é estarem motivados, empenhados e serem resilientes. Vivemos numa realidade em constante mudança, pelo que é essencial que desenvolvam um leque diversificado de competências ao longo do seu percurso académico”.
Jorge Pina, diretor do Agrupamento Escolas Rafael Bordalo Pinheiro, revelou que o Serviço de Psicologia e Orientação desenvolve um programa de orientação vocacional com os alunos do 9.º ano de escolaridade. “São realizadas sessões com o grupo turma ao longo do 1.º e 2º períodos, destinadas à promoção do autoconhecimento e à exploração do mundo do trabalho, bem como, ao tratamento de informação essencial sobre o sistema educativo português”, indicou.
Com o objetivo de promover o “desenvolvimento vocacional dos jovens, recorre-se ao uso didático de testes psicológicos, questionários, material audiovisual e fichas de trabalho elaboradas para esse fim. No término deste processo, são levadas a cabo entrevistas finais individuais, de balanço de todo o trabalho desenvolvido ao longo do ano, onde todos os pais e encarregados de educação são convidados a participar”, contou.
De acordo com o diretor, “este é um trabalho muito importante que pretende ajudar os jovens na construção dos seus projetos de vida e na tomada de decisão que têm que realizar no final do ano e que contempla ainda a participação dos alunos na iniciativa promovida pelo gabinete da juventude da autarquia “9.ºano e agora?” e no “Dia Aberto da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro” para conhecerem de perto as ofertas educativas e formativas”.
O diretor do Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, José Santos, disse que “a orientação vocacional é uma prioridade e está adaptada às necessidades dos alunos”.
Encaminhou a resposta para Ana Inês Borges, psicóloga do Serviço de Psicologia e Orientação, que explicou que dinamiza “programas específicos para o 9.º ano, com o ‘Crescer como Ser: Eu Decido!’, e para o 12.º ano, com o ‘Sem Pressas’”.
“Estes programas, que foram desenhados à medida das necessidades dos alunos, incluem sessões individuais e em grupo, momentos de partilha entre alunos de diferentes ciclos de ensino e contactos com profissionais de várias áreas, promovendo o autoconhecimento e o conhecimento das diferentes ofertas educativas e formativas”, contou.
Segundo a psicóloga, um dos pontos altos é o evento Josefa Co(n)Vida, onde os estudantes interagem diretamente com representantes do ensino superior e das forças de segurança e armadas. “O nosso objetivo é apoiar os alunos na construção de um projeto vocacional sólido, promovendo decisões conscientes e fundamentadas para o seu futuro pessoal, escolar e profissional”, sublinhou a psicóloga.
“Os programas de Orientação Vocacional do Agrupamento são facilitadores e orientadores da construção do projeto vocacional dos nossos alunos, apoiando-os e promovendo escolhas e tomadas de decisão conscientes e fundamentadas, criando assim alicerces para o seu futuro pessoal, escolar e profissional”, adiantou Ana Inês Borges.
A psicóloga apontou ainda que há um guia que a Fundação José Neves lançou, para ajudar alunos e encarregados de educação a pensar na vida depois do ensino básico. “O guia traça um retrato do panorama do presente e do futuro do ensino, não descurando as consequências das diferentes opções”, concluiu.
Em declarações ao JORNAL DAS CALDAS, a diretora do Agrupamento Escolas de São Martinho do Porto Luísa Sardo, referiu que “ajudar os alunos a fazer escolhas informadas, conscientes e alinhadas com os seus interesses, competências e valores é um compromisso que assumimos com responsabilidade e dedicação”.
A psicóloga explicou que o programa de orientação vocacional inclui várias etapas fundamentais: sessões em sala de aula com metodologias ativas para promover o autoconhecimento, aplicação de testes vocacionais, entrevistas individuais e uma sessão informativa sobre o sistema educativo e os diferentes percursos formativos.
Os alunos participam ainda numa visita à Futurália – Feira de Educação, Formação e Empregabilidade e os pais são envolvidos numa sessão específica sobre a oferta educativa na região.
“Este programa decorre em articulação com os diretores de turma e as famílias, promovendo uma abordagem integrada e personalizada. Acreditamos que a orientação vocacional é essencial para preparar os jovens para os desafios do mercado de trabalho e para decisões conscientes ao longo do seu percurso académico”, destacou a psicóloga.