Alunos das Caldas desenharam com lápis azul da censura para afirmar liberdade

Mais de uma centena de alunos das Caldas da Rainha transformou, no passado dia 15, o lápis azul, símbolo da censura durante a ditadura, num veículo de liberdade, desenhando azulejos para um mural digital, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, cuja sessão decorreu no CCC - Centro Cultural e Congressos.

Os estudantes do 3º ciclo dos Agrupamentos de Escolas da Raul Proença, Rafael Bordalo Pinheiro e D. João II receberam uma verdadeira aula sobre o 25 de Abril. Também foi assinalado o 16 de março de 1974, uma coluna militar do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha que avançou para Lisboa na perspetiva de derrubar o governo de Marcelo Caetano e que falhou.

Os jovens participaram numa sessão de dinamização da campanha “A minha Liberdade é de todos”, um projeto que transforma o lápis azul usado pela censura num símbolo da liberdade de expressão.

Os alunos foram convidados a utilizar uma edição especial do lápis azul para transpor para o papel, num quadrado do tamanho de um azulejo tradicional português, a sua interpretação da liberdade. As várias contribuições vão compor um mural digital colaborativo que será revelado em abril no site do projeto, e que conta já com a participação de mais de 200 escolas e mais de 500 intervenções online.

Na sessão os alunos assistiram a uma conversa sobre a conquista da democracia e da liberdade, que trouxe inegáveis melhorias nas condições de vida, relatadas pelas experiências diferentes da historiadora Irene Flunser Pimentel, pelo capitão de Abril Nuno Santos Silva e pelo ilustrador Nuno Saraiva.

A iniciativa foi moderada por Maria Inácia Rezola, comissária executiva da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.

Na abertura da sessão, o presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Vítor Marques, pediu aos jovens entre os 12 e os 15 anos para continuarem a construir a liberdade porque “nada disto está ganho”. “A liberdade perde-se de um dia para o outro, basta vermos o que se passa no mundo e na Europa. Há muitos sítios onde não há democracia e isto tem que ser construído todos os dias como uma planta tem de ser regada”, referiu. “Construam o vosso futuro com uma participação ativa”, afirmou.  

Lápis utilizado para riscar o que não queriam publicado

Irene Flunser Pimentel, que falou sobre a censura e como condicionava a vida das pessoas, explicou que, durante a ditadura, eram os “censores que decidiam o que os portugueses podiam ou não ver, e podiam ou não ler”.

“Todos vocês são curiosos e quando estão a fazer trabalhos para a escola vão à Internet pesquisar e procurar informações e agora imaginem uma realidade onde isso não é possível, ou seja, havia uma só linguagem do regime e da ditadura”, disse aos alunos. 

Segundo a historiadora, a censura teve como objetivo principal que “os portugueses não conhecessem outra realidade do que o próprio regime queria”, dando o exemplo dos censores do Estado Novo que usavam um lápis de cor azul para riscar qualquer título, texto, imagem ou desenho que não queriam que fosse publicado na imprensa. “A título desta censura não havia em Portugal crimes, porque o regime queria dar a imagem do paraíso”, contou.

“Havia sempre um espetáculo prévio, uma visualização prévia dos filmes para que os censores pudessem decidir o que era ou não permitido. No caso do cinema, como muitos portugueses não sabiam ler e os filmes tinham legendas, os censores falsificavam o que era dito pelos atores”, explicou. Deu depois o exemplo do filme “Um rei em Nova Iorque”, escrito, produzido, dirigido e protagonizado por Charles Chaplin. “Existia um diálogo em que uma menina dizia ‘O meu pai está preso porque é do Partido Comunista’. Nas legendas, os censores escreveram “porque é um ladrão”.

Recordou que na China “neste momento não se acede às redes sociais com toda liberdade porque o próprio regime ainda censura”.

Nuno Santos Silva, da Força Aérea, hoje coronel, era a 25 de Abril de 1974 um jovem capitão com 29 anos, recém-regressado da guerra em Angola. Naquela madrugada, ocupou o Rádio Clube Português, que, explicou, era um ponto essencial do sucesso do golpe militar, por ser a única estação que podia emitir para todo o país. “Antes de iniciarmos a ocupação, concordámos que rejeitaríamos qualquer tipo de violência. Ocupámos militarmente o Rádio Clube começando por bater à porta”, recordou.

Chamou uma aluna da plateia (Aminilsya Rosário) para ler o comunicado do Movimento das Forças Armadas que foi lido pelo jornalista Joaquim Furtado na madrugada do dia 25 de abril de 1974 no Rádio Clube Português, vincando “passados estes anos todos a emoção que é sentir em direto e ao vivo e a cores a leitura de um documento desta natureza”. 

Para o coronel, o 25 de Abril é sobretudo um “ato de emoção”. “Com 29 anos, cada um de nós tem capacidade para mudar o mundo. Cometi um ato de arrojo de que, 50 anos depois, o meu país ainda beneficia. Por isso, convido-vos a viver com emoção. Percecionem as opiniões, os projetos, escolham e vivam-nos. Vocês têm uma responsabilidade enorme: manter este país na trilha do progresso. Já fiz a parte que me cabia. Agora, deixo-vos a herança. Não há ninguém capaz de garantir o futuro sem ser vocês”, disse.

O ilustrador Nuno Saraiva começou por dizer aos jovens que “não era capaz de pedir para fazerem uma viagem ao passado” porque “a altura que estamos aqui a falar não desejamos a ninguém”.

“Se vocês fossem hoje fazer um golpe de estado, ocupavam o “Youtube” e o “Tik Tok”, porque vocês têm a comunicação dentro dos vossos bolsos com acesso aos telemóveis, onde têm a liberdade de bloquear ou censurar um amigo”, referiu, acrescentando que hoje esses “canais abertos das redes sociais dão uma liberdade que por vezes acaba por ser contraditória”.

Considerou, no entanto, que “devemos falar sobre a liberdade como um bem adquirido, como quando falamos de oxigénio ou sobre água”.

“Têm de ver o 25 de Abril como uma coisa que vos deixa viver livremente”, afirmou.

Nascido quatro anos antes da revolução, o ilustrador trouxe memórias da sua infância, quando, por ser filho de um militar destacado para a guerra colonial, assistiu ao ato desesperado de um alferes que “deu um tiro no pé”, ferindo-se para ser desmobilizado. Desse tempo ficou a memória dos sons “do choro do homem, da raiva, do disparo”, marca que o levou a apelar aos jovens que usem o lápis azul “como lápis da liberdade e não lápis da opressão”, para que os relatos que ouviram “não voltem a acontecer”.

“É importante celebrarmos Abril para que estas coisas não voltem a acontecer. Vocês são netos dos capitães de Abril, da revolta das Caldas, e devem segurar isso no coração”, concluiu.

Depois dos alunos desenharem com o lápis azul foram chamados alguns jovens que explicaram os seus desenhos. Um deles desenhou um soldado a chorar e outro jovem fez o desenho de uma batata que foi oprimida e no 25 de Abril virou um cravo.

A vereadora da Câmara das Caldas, Conceição Henriques, terminou a sessão recordando como era uma escola antes da revolução, onde na sala de aula se cantava o hino.

abril 5
Aluna leu o comunicado do Movimento das Forças Armadas que foi lido pelo jornalista Joaquim Furtado (foto Cláudia Teixeira)
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Os alunos das Caldas receberam uma verdadeira aula do 25 de Abril (foto Cláudia Teixeira)

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